30
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
OS NACIONALISMOS DO SÉCULO XIX: O CASO DO SCHLESWIGHOLSTEIN
Carlos Augusto Trojaner de Sá1
Resumo
Neste trabalho o objetivo principal é de evidenciar o nacionalismo alemão, através de Fichte
com o nacionalismo dinamarquês, através de Orla Lehmann no século XIX e seus
desdobramentos na anexação do Schleswig-Holstein pela Prússia no ano de 1866 e o papel
que tais movimentos tiveram neste processo histórico. Para entender esse contexto,
devemos ter em mente a questão linguística e a histórica dessa região, como também as
relações da Prússia com a Europa. A situação da Península da Jutlândia, e mais
propriamente dos ducados de Schleswig e Holstein começaram a preocupar a Europa no
século XIX, principalmente as potências estrangeiras, como a Grã-Bretanha, França e
Rússia, que não aceitariam uma Dinamarca enfraquecida em favor da Confederação
Germânica, nem a Prússia adquirirem o ducado de Holstein com o importante porto naval de
Kiel e com isso controlar todas as rotas de comércio através do mar Báltico. Essa tensão
surge devido as grandes aspirações de Bismarck, ou seja, de sua política expansionista de
cunho militar e econômico com bases no nacionalismo alemão do século XIX.
Palavras Chaves: Nacionalismo, Dinamarca, Prússia.
Para se entender toda a formação do estado alemão durante o século XIX e seus
desdobramentos no contexto europeu, precisamos analisar as diferentes esferas de um
projeto maior que em 1871 recebeu o nome de Império Alemão. A analise que cabe resaltar
aqui é como a Prússia dentro de uma política do equilíbrio de poder europeu, conseguiu
rompeu com essa medida e anexar o Schleswig e Holstein em 1866 após a guerra austroprussiana2. Neste trabalho cabe ressaltar duas analises que estão dentro desse contexto, o
nacionalismo alemão e o dinamarquês do século XIX.
O nacionalismo alemão do século XIX é abordado das mais diferentes maneiras na
historiografia mundial. Minha forma de análise para explicar o caso particular do
nacionalismo alemão, esteve baseada em analisar os fundamentos principais dos
intelectuais que se consideram como fundadores desde nacionalismo, além de relacioná-lo
com o Romantismo Alemão. Além disso, outras obras são de fundamental importância para
se entender o nacionalismo alemão, e sem o conhecimento delas, coremos o risco de ficar
com uma visão limitada de todo um conjunto historiográfico, as obras de Thomas Nipperdey
1
Carlos Trojaner é historiador pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em História
Contemporânea pela mesma instituição e em História do Rio Grande do Sul pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Email: carlosaugusto@t-online.de
2
A guerra austro-prussiana ou Deutsche Krieg decorreu entre junho e agosto de 1866, marcando profundamente a penúltima
etapa do caminho para a unidade alemã antes da proclamação do Império.
31
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
e Wolfgang Mommsen são de caráter obrigatório para se entender não só o nacionalismo
alemão do século XIX, mas tudo o que esta em torno dessa temática.
O surgimento da consciência nacional na futura Alemanha foi particularmente rápido e
recente, não se podendo falar dessa consciência antes de 1806. Foi em 1815 que atingiu a
sua maturidade, principalmente após as guerras napoleônicas conforme Kitchen (2006, p.
57). Seus “arquitetos” foram os intelectuais profissionais e não a aristocracia ou a elite
dirigente como em outras nações europeias. Desde muito cedo, sabe-se que, na Alemanha,
os intelectuais da classe média constituíam um grupo social à parte da sociedade, os quais
foram resultado da educação ministrada nas universidades alemãs.
Segundo a linha de pensamento de alguns historiadores alemães, os princípios da
identidade cultural alemã surgiram na Idade Média e com ligação ao Sacro Império Romano,
porque aqui se tentou estabelecer um império com povos de culturas semelhantes, assim
como afirma Elias (1997, p. 18):
O império alemão medieval e, em particular, alguns dos mais notáveis
imperadores medievais serviram por muito tempo como símbolos de
uma Grande Alemanha que se perdera - e, por isso mesmo, também
como símbolos de uma secreta aspiração à supremacia na Europa.
Entretanto, foi a fase medieval do processo de formação do Estado
alemão, em particular, que contribuiu significativamente para o fato de
que na Alemanha esse processo não acompanhou o ritmo dos
processos de formação do Estado em outras sociedades europeias.
A partir do século XVIII fizeram-se tentativas com o objetivo de definir as fronteiras da
atual Alemanha, desde o rio Elba ao rio Reno e até a Hungria. Estas tentativas foram, no
entanto, apenas geográficas, porque a ideia de estado-nação era ainda desconhecida, não
existindo neste período uma consciência intelectual e política do que era ser alemão. A
palavra nação já fora, anteriormente, empregue na maioria das línguas européias ocidentais,
nomeadamente no século XIV, quando natio apontava para a origem comum de um grupo
de indivíduos e para uma comunidade étnica ou habitante da mesma região.3 No entanto,
natio não envolvia um tipo de forma organizacional política, começando apenas mais tarde a
ter conotações de ordem política. Segundo Baycroft (2006, p. 63-66), somente nos finais do
século XVIII, se levanta a questão do que é ser pertencente ou não a uma determinada
nacionalidade. Neste contexto, nação é constituída por uma comunidade de indivíduos, isto
é, um povo que partilha a mesma língua, costumes e lendas, um passado e territórios
comuns.
Cabe ressaltar que a identidade germânica não se manifestou de forma acentuada até
a ocupação napoleônica e haveria de marcar a ideia de nacionalidade alemã, enfatizando a
vertente regional desta. Paralelamente a aquisição territorial, se demonstra uma vontade
3
Hobsbawm, crítico do nacionalismo (principalmente do nacionalismo exacerbado) contesta esta definição, pois argumenta
que, no inicio do nacionalismo (finais do século XVIII), a nação não tinha a ver “com etnicidade, língua comum, religião,
território e lembranças históricas comuns” HOBSBAWNM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e
realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p.33.
32
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
unificadora alemã, apoiada pelo uso da mesma língua. Estas tendências, com origem numa
classe que estava a crescer socialmente, a classe esclarecida, conhecida por
Bildungsbürgertum, estavam de acordo com o que se passava na Europa (WEHLER, 2001,
p. 62-63). Segundo Fradera e Millán (2000, p.138-140), os Bildungsbürger procuravam
identificar-se com a aristocracia, que não se misturava com eles e desprezavam a
burguesia, à qual se encontravam ligados de um modo inseparável. As oportunidades
surgidas aos Bildungsbürger no funcionalismo público alemão começaram, no entanto, a
diminuir a partir de fins do século XVIII, face à crescente concorrência por parte da nobreza.
Este fato explica, como no ano de 1770, Goethe e Herder, na cidade de Estrasburgo,
passam da orientação da Aufklärung para o germanismo que caracteriza todo o movimento
Sturm und Drang. Desta forma, podemos destacar que a filosofia das luzes na Alemanha
não desenvolveu no campo da ideologia política a mesma força provocada na França. A
partir de 1770 já defrontava uma reação anti-intelectual e anti-cosmopolita, chamada de
Sturm und Drang.
O Sturm und Drang foi essencialmente um movimento de protesto e também um
movimento da juventude. Era contra basicamente três aspectos: os governantes absolutistas
nos estados alemães e o mundo da corte da nobreza, a moral burguesa, e a velha tradição
da arte e literatura. Trata-se de um movimento precursor do Romantismo, que na Alemanha
se manifestou de forma mais moderada. A inspiração veio de Rousseau, com o regresso ao
natural e a revolta contra as convenções. Os Stürmer proclamavam a liberdade absoluta, no
amor e na política, neste caso com um forte pendor nacionalista.
O movimento Aufklärung não deixou, contudo, de ter implicações políticas, por ser
nitidamente política e por ter influenciado as ideias e o pensamento de autores como Kant,
Herder, Fichte e Hegel. Na Aufklärung, Kant buscou o postulado de um real progresso
homogêneo da humanidade visando à liberdade e a moralidade, numa só palavra a paz
para sempre. Ele ainda é contra a não originalidade da literatura e dos costumes alemães,
imitando os estrangeiros que Herder combate por uma originalidade germânica.
Posteriormente, este pensador foi um dos principais teóricos do Sturm und Drang
(NÓBREGA, 1961, p. 328-332).
Seguindo essa linha de pensamento, aparece no inicio do século XIX, Johann Gottlieb
Fichte. Para ele, a filosofia é uma filosofia do universal, mas é com a nação alemã e
exclusivamente com ela que ele assegura o triunfo do universal, sendo uma das origens do
pan-germanismo. Com o movimento do Aufklãrung, a exigência da liberdade de pensamento
exigia a liberdade política e a oposição ao Despotismo Esclarecido4, uma vez que o sistema
Absolutista era a característica geral dos estados alemães.
4
Os ideais iluministas surgidos durante o século XVIII conceberam um conjunto de transformações que não se limitou ao
universo letrado e burguês. Sem abandonar a base do regime monárquico, os reis europeus desse período enxergavam a
33
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
A Europa central, no caso, os reinos alemães do século XVIII assim como toda a
Europa, ficou na época da filosofia das luzes: a Aufklärung, cujo centro difusor era a
Universidade de Halle e posteriormente a Universidade de Göttingen. Aquele movimento,
derivado das concepções de Leibnitz, foi designado por um discípulo daquele, cujo nome é
Christian von Wolff. No entanto, a Aufklärung apenas entrou e penetrou num restrito núcleo
da intelectualidade alemã, coexistindo com o movimento do Pietismo5. Embora se tratando
de um movimento de ideias políticas, ele foi essencialmente uma pedagogia da razão crítica
nas categorias éticas, tendo em vista os problemas morais e religiosos da sociedade
(NIPPERDEY, 1994, p. 403-404). Com a vitória das forças do Antigo Regime, devido ao
esmagamento das sublevações populares, por parte do exército, o Rei da Prússia tentou
agrupar em torno de si mesmo uma federação dos Estados do Norte, mas a Áustria, com o
apoio da Rússia, intima Berlin com um ultimato, perante o qual a Prússia se vê na obrigação
de recuar. A idéia de uma Alemanha liberal e parlamentar unida pela vontade de uma nação
alemã ajudaram com a queda do Parlamento de Frankfurt. Ao mesmo tempo, se dá o início
das rivalidades entre a Áustria dos Habsburgos e a Prússia que dominava o problema da
unidade alemã.
Além de Helder e Fichet, existiu o romantismo como movimento que impulsionou a
valorização das particularidades germânicas. Que se caracteriza por uma resposta aos
receios e frustrações dos Bildungsbürger, provocados pela Aufklärung. O valor potencial do
Aufklärung era a razão e era o racionalismo, tudo aquilo contra o que os românticos se
revoltaram. A acusação destes à sociedade do Iluminismo era a generalização da sua
experiência pessoal nela registrada, de modo que a promessa não cumprida do Aufklärung
para com os intelectuais sem sucesso levou-os a pensar que a razão separava o homem da
comunidade (GREENFELD, 1998, p.234-236).
O romantismo exprime-se não só em poesia e em literatura, mas em música, em
pintura, em arquitetura; atuou nos costumes, no traje e no cenário da vida. Traduz-se em
doutrinas políticas bem determinadas. É, pois de uma realidade muito complexa que temos
de tratar. E esta complicação agrava-se com o ser a Alemanha um país particularista no
qual as regiões, os pequenos Estados, as classes sociais são tomados em limites estreitos e
oferecem caracteres diversos.
As escolas românticas que surgem são diversas também. A primeira, a de Iena, a dos
dois Schlegel, de Fichte, de Schelling e de Novalis, é revolucionária no princípio; o seu
necessidade do domínio de alguns saberes considerados úteis na tomada de decisões político-administrativas. O monarca
deveria dominar os princípios iluministas ou, no mínimo, estar assessorados por ministros que conhecessem as mais
importantes obras do pensamento filosófico e econômico iluminista. Dessa forma, a razão ganhava espaço no cenário político
europeu.
5
O pietismo alemão denota um movimento surgido na Igreja Luterana na segunda metade do século XVII, que teve como uma
de suas características mais evidentes a reação contra um cristianismo que sob muitos aspectos se tornara vazio, tendo uma
prática dissociada da genuína doutrina bíblica. O alvo do pietismo era o retorno à teologia viva dos apóstolos e da reforma,
com forte ênfase na pregação do Evangelho, acompanhada de um testemunho cristão condizente.
34
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
pensamento é, sobretudo, filosófico e crítico. A segunda, a escola chamada de Heidelberg,
agrupa escritores renanos silesianos e prussianos; é mais rica de poesia, mais pobre de
pensamento; é ela, entre outras escolas, que insiste na grandeza e na beleza do passado
alemão, da paisagem alemã, do Reno alemão.
Na nação alemã, a língua era um elemento central para o seu pensamento, no século
XVIII, não tanto pela discussão acerca da pureza da língua, mas sobre a diversidade das
línguas e a origem da linguagem. O debate corria em torno da origem divina ou humana
daquela (TOUCHARD, 1991, p.137).
Na perspectiva de Herder, salienta-se que, sendo a linguagem uma faculdade
humana, uma capacidade anterior e interior à própria espécie humana, então a diversidade
das línguas não seria explicada por fatores externos acima referenciados, mas apenas por
fatores de ordem interna. Em termos amplos, Herder destacava que as línguas se haviam
progressivamente alterado e afastado de uma origem comum, por vontade do próprio
homem de uma determinada comunidade e que o caráter interior da língua estava em
estreita relação com a cultura; ao mesmo tempo em que salientava a dicotomia, o homem
criava a língua e esta criava o homem, destacando a complexa relação entre o indivíduo, o
social, a língua e a cultura, que constituiu a base filosófica do pensamento de Herder,
frequentador da Faculdade de Teologia da Universidade de Königsberg, grande centro
cultural na época (BAYCROFT, 2006, p. 44-45).
Como podemos observar, a reflexão sobre a linguagem que decorria na Alemanha
dos finais do século XVIII e princípios do século XIX não era uma questão somente
acadêmica, mas sim uma reflexão política e nacionalista, sendo de destacar como um caso
muito prático a posição assumida por Von Humboldt na Prússia.
Quando as forças invasoras napoleônicas abandonam o território alemão em 1813,
vêm de novo ao cimo os argumentos políticos relacionados com a comunidade de
costumes, língua e literatura, que apontavam para a natural unidade política de um povo,
partilhada por um povo com a mesma língua e cultura, revendo-se num passado histórico
comum, de acordo com Wehler (2001, p. 65-66). Como exemplo, destacamos de novo a
figura de Von Humboldt que faz da história da Alemanha uma história familiar, dando uma
maior ligação à imagem de um todo social, unido indiscutivelmente por laços familiares. De
acordo com o mesmo pensador prussiano, a unidade alemã teria de ser marcada pelo
estado, mas assente fundamentalmente na língua, na cultura, nos costumes, nos mitos,
numa palavra, na memória coletiva e histórica de um povo, compartilhada ao longo dos
tempos.
Na obra Reden an die deutsche Nation de Fichte, publicada no ano de 1808,
conhecida como a base do nacionalismo alemão, o autor busca articular um sentimento
nacional, uma expressão ideológica, uma vez que este pensador propõe a possibilidade de
35
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
uma nova época para a unidade alemã, através dos melhores caminhos visando à
construção desse futuro, como, por exemplo, através da educação nacional.
Fichte também destacava que as várias diferenças existentes entre os alemães e os
outros povos de língua germânica assentavam na tribo ou na etnia6 a que pertenciam, na
língua que falavam no território onde se instalaram na memória coletiva7 e na histórica
comum, destacando que os alemães haviam permanecido nas terras inicialmente povoadas
pela tribo original e preservando a mesma língua, em oposição a outros povos que se
desviaram das suas origens germânicas. Fichte, além disso, procurava destacar que do
desvio resultaria as consequências políticas, sublinhando por outras ideias e palavras; que
o desvio linguístico havia sido o causador da diferença real existente nos sistemas políticos
e entendendo que a mudança territorial por si só não modificava um povo que continuasse
a utilizar a língua original.
É de notar que as ideias propaladas por Fichte vão ao encontro das propostas de
Herder, no referente à tênue influência de fatores externos na formação da língua. Mas
ainda vai mais longe quando abordava que a língua alemã era a única língua natural
sobrevivente, sublinhando que a língua alemã era a língua original, a única língua europeia
que estabelecia uma relação direta com o real, o que procurava realçar que os conceitos de
liberdade, de humanidade e outros só eram válidos e verdadeiros quando pronunciados na
língua alemã.
Com essas questões podemos concluir que os pensadores alemães do século XVIII,
se basearam na comunidade étnica, de língua, da cultura e de história, mostrando em
termos jurídico-filosóficos a aquisição de consanguinidade na formação da nacionalidade
alemã, sendo por isso o resultado de uma construção ideológica. Contudo, merece ser
destacado que o nacionalismo alemão fez tudo para a elevação simbólica das massas, pois
venerou o povo (Volk), e modificou de modo profundo e consistente a natureza da
hierarquia dos estatutos na sociedade alemã. Porém mesmo com esses movimentos, a
unidade por completa alemã, só foi possível após a unificação econômica, isto é através do
Zollverein8.
Com todo esse discurso envolvente dos nacionalistas, o Schleswig-Holstein, devido a
sua posição geográfica foi sendo alvo das aspirações da Prússia, pois controlar os ducados
com suas cidades hanseáticas, Kiel e Lübeck resultaria em um total controle das rotas de
comercio no mar Báltico.
6
Entende-se por etnia um grupo social cuja identidade se define pela comunidade de língua, cultura, tradições, monumentos
históricos e território, segundo Norberto Bobbio. Dicionário de política. 5 ed. Brasília: UnB, 2000, p. 449.
7
Entende-se por memória coletiva como um conjunto de representações sociais acerca do passado que cada grupo produz,
institucionaliza, guarda e transmite através da interação de seus membros, segundo Paolo Jedlowski. “La sociologia y La
memória colectiva”. In: RIVERO, Alberto Rosap ; BELLELLI, Guglielmo ; BAKHURST, David (Eds.) Memoria colectiva e
identidad nacional. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000, p. 131-132.
8
Também devemos ter em mente que as guerras contra a Dinamarca, contra a Áustria e contra a França, etapas sucessivas
delineadas pela estratégia de Bismarck, destinadas a motivar os alemães a se unirem contra inimigos externos, incendiavam o
patriotismo nacional.
36
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
São duas as questões que envolvem o conflito entre Prússia e Dinamarca no que se
refere aos ducados de Schleswig-Hostein, a questão da língua e já citado anteriormente, o
fator comercial. A questão linguística dos ducados é um tema pouco trabalhado nas obras
que abordam a Unificação Alemã, em nível de historiografia brasileira, com isso muitas
vezes o discurso apresentado por essas obras é que Schleswig-Holstein seria de ampla
população e língua alemã, podemos com isso dizer que esse discurso não difere muitos
dos nacionalistas prussianos do século XIX.
Mas quando saímos de uma bibliografia nacional e nos deparamos com a inglesa,
norte-americana e principalmente a alemã, vemos que essa questão linguística se torna
muito complexa. Podemos observar de acordo com a tabela apresentada por Carr (1963, p.
321):
Estatísticas das línguas no Schleswig-Holstein9
Autor fonte
Koch
Jensen
Wimpfen
Alemão falado
Dinamarquês falado
Frísio falado
População total
119,935
144,235
26,815
338,192
128,000
145,100
25,600
330,000
142,000
173,000
23,000
338,000
Meu trabalho não tem a intenção de dizer qual língua era a mais falada ou a mais
importante, minha analise através de diversas fontes propõe chegar à conclusão que
ambas as línguas eram faladas simultaneamente e que não existia predominância de
nenhuma.
A língua de uma população através da articulação no campo político, muitas vezes foi
à base para o surgimento de uma nação, como no caso da Noruega, conforme Oliveira
(2004, p. 91):
No início do século XIX, a Noruega, até então província da Dinamarca,
conquista sua independência. Logo em seguida, em consequência de
uma luta bem-sucedida no campo da política linguística, os
noruegueses passam a escrever numa variedade linguística livre da
antiga língua padrão, baseada no dinamarquês de Copenhague.
Apesar da existência de um alto grau de semelhança estrutural entre
essa nova língua padrão e o dinamarquês e de um razoável grau de
inteligibilidade mútua entre os dois códigos, o novo padrão linguístico
passou a ser considerada uma nova língua, o que só foi possível
graças ao fato de a Noruega ter-se tornado uma nação independente.
Com o tempo surgiram outras propostas de norueguês padrão e a
situação se complicou. Esses “padrões” acabaram-se especializando
quanto à função. Atualmente é a situação comunicativa que determina
a escolha entre eles. A Noruega não é o único exemplo de interralação entre padrão linguístico e nacionalidade.
9
A tabela apresenta ainda dados da linguagem nas Igrejas, sempre com predominância do Hochdeutscher, porém aqui não
cabe discutir a linguagem oficial da Igreja e sim a da população. Além disso, de acordo com algumas referências de obras do
século XIX, como The Annual register of world events a review of the year, Volume 105 (1863), a linguagem da Igreja, ou de
seus serviços para a população era de escolha do requerente. A tabela em sua versão completa se encontra disponível na
obra de Willian Carr, Schleswig-Holstein 1815 – 1848: A Study in National Conflict. England: University of Manchester, 1963,
p.321.
37
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
Porém no caso do Schleswig-Holstein, sendo uma região de fronteira e com isso uma
constante troca cultural, foi resultando em uma região com grande pluralidade cultural desde
o auge das cidades Hanseáticas. A região da Nordfriesland, aonde se encontra a maior
parte da população de origem frísia, muitas vezes ficou a margem do discurso, porém sua
cultura e língua são padrões culturais bem distintos e geralmente não estão relacionados
com o tema da península da Jutlândia. Muitas são as obras que abortam a questão frísia,
como não é nosso objetivo aqui discutir elas, recomendo a obra de MUNSKE, Horst;
ÅRHAMMAR, Nils. Handbuch des Friesischen. Walter de Gruyter, 2001.
Outro ponto aonde podemos entender o processo formador de uma cultura na região
da Jutlândia é a educação ou os serviços prestados pela Igreja. Um ponto aonde os
defensores da língua alemã como língua predominante é que os serviços das Igrejas eram
realizados em língua alemã, porém de acordo com a obra já citada The Annual register of
world events a review of the year, Volume 105 de 1863, a língua era escolhida pelo
requerente, ou seja, a língua alemã como a dinamarquesa nunca fui colocada acima de uma
ou outra, sendo assim, não podemos afirmar tal teoria, como sendo uma fronteira, ambas as
línguas eram faladas.
O nacionalismo dinamarquês do século XIX consiste em duas etapas de analises, uma
seria a da figura de Peter Martin Orla Lehmann e a outra no principal grupo de caráter
nacionalista, os “Dänemark bis zur Eider”.
Orla Lehmann foi um dos principais nacionalistas dinamarqueses do século XIX, sendo
seu pai de Hostein e sua mãe de Copenhagen, deve uma educação na Dinamarca e a
escolheu como pátria. Sendo de cunho liberal, ajudou a implantar na Dinamarca uma
Monarquia constitucional e também defendia que Schleswig e Holstein deveriam pertencer à
Dinamarca quando a crise dos ducados se agravou.
O principal grupo nacionalista era os “Dänemark bis zur Eider”10, que apoiavam o
domínio dinamarquês em todas as terras ao norte do rio Eider. A escolha do rio Eider
consiste em um fator histórico que remonta a Idade Média.
Para se compreender todo esse processo, devemos analisar o conceito do termo
dinamarquês primeiramente. Esse conceito remonta do período de Carlos Magno, quando
este iniciou ataques ao território da saxônia no ano de 772, com o objetivo de conquistá-la e
converter os Saxões à fé Cristã. Após essa conquista, ordenou a anexação da Jutlândia,
região onde moravam os Danos11.
A Dinamarca adquiriu preeminência no antigo período viking, quando os governantes
dinamarqueses resistiram efetivamente a Carlos Magno e seus sucessores, iniciando a
construção de um grande aterro que servia de muralha, o Danevirke, cuja finalidade
Tradução: “Dinamarca até o Eider”
Existe também uma referência sobre os Daneses no Livro do historiador Jordanes, intitulado de origine actibusque Getarum,
tradução "A origem e as façanhas dos Godos", escrito por volta do ano 571.
10
11
38
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
primordial era proteger o porto de Hedeby em Schleswig conforme BRØNDSTED (2004,
p.146-148).
Um exemplo dessa resistência foi durante e após a campanha de Carlos Magno na
Saxônia. Nessa época, os Danos da península da Jutlândia estavam unificados sobre a
monarquia de Godofredo, um dos muitos reis lendários da história dinamarquesa12. O Reino
de Godofredo estava se expandindo para o sul, mas nunca chegou a um conflito direto com
Carlos Magno que estava na campanha contra os saxões. Carlos Magno realizou alguns
ataques contra Godofredo, mas os daneses resistiram aos ataques por estarem passando
por um período temporário de centralização Monárquica. Godofredo tinha planos audaciosos
para conquistar uma parcela da Europa, em 808 destruiu a cidade comercial de Reric13
(LOPEZ, 1976, p.127), e persuadiu seus comerciantes a se mudarem para uma nova cidade
chamada Hedeby, que ele tinha construído na Dinamarca, além de ter subjugados povos,
como os Abodrini. Com sua morte prematura no ano de 810, causada pelas brigas internas
pelo trono dinamarquês, ele foi assassinado por um de seus súditos. Carlos Magno com isso
conseguiu acabar com as hostilidades na região e criou à comarca dos danos que foi
batizada de Marca dos Danos, depois Marca Dana, depois Dana Marca e por fim,
Dinamarca.
Toda essa carga cultural fez os nacionalistas dinamarqueses escolherem o rio Eider
que ficava antes do Danevirke como ponto chave na sua defesa, indicando assim que a
Dinamarca sempre ocupou aquele território, e também usando a fronteira natural do rio para
esse propósito.
Estas eram as bases ideológicas de ambos os lados, os prussianos apoiados por
Fichte e os dinamarqueses por Orla Lehmann, podemos dizer que até a metade do século
XIX essa batalha ficou somente no campo das ideias, porém no ano de 1848, aconteceu a
Schleswig-Holsteinischer Krieg14 que durou até 1851, onde com a intervenção da Inglaterra,
o Reino da Dinamarca ainda ficou com a administração de Schleswig, saindo assim a
Prússia derrotada.
Em 1857, Christian IX é coroado rei da Dinamarca, e declara que de acordo com a
resolução de 1481, Holstein deve ser reincorporado, mesmo que a força, ao seu ducado
irmão. Isso motiva uma intervenção armada por parte da Prússia e Áustria. Cristiano IX,
pressionado pelos nacionalistas dinamarqueses, aprovou a unificação do ducado de
Schleswig ao reino da Dinamarca (KOLULLA, 2008, p.491). Devemos lembrar que o Vertrag
von Ripen havia proclamado que Schleswig e Holstein eram indivisíveis politicamente, mas
12
Devido a existências de diversos poemas de sagas épicas envolvendo suposto reis dinamarqueses desde o século V, ainda
existe uma discussão sobre quem teria sido o primeiro rei dinamarquês, as fontes mais seguras ou mais aceitas
academicamente para este fato se encontram nas pedras rúnicas de Jelling, aonde aparece Gorm o velho (900 d.C – 940 d.C),
como primeiro rei dinamarquês.
13
No ano de 1178 se tornaria Lübeck, tendo uma localização ideal para funcionar como ligação entre as duas metades do
Mediterrâneo.
14
Tradução: Guerra de Schleswig-Holstein.
39
a
anexação
ao
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
Reino
dinamarquês
em
1863
por
Cristiano
IX
através
da
Novemberverfassung15 separou Schleswig politicamente de Holstein, que era um território
independente. Isto se tornou um ótimo pretexto para as aspirações nacionalistas alemães,
Otto Von Bismarck aproveitou-se então para dar novo impulso ao movimento nacionalista
alemão.
Em janeiro de 1864, enquanto a Dieta16 decidia enviar um contingente militar aos
ducados, as tropas prussianas, juntamente com as austríacas, entraram no ducado de
Schleswig, dando início a chamada Zweiter Schleswigscher Krieg17. A rápida derrota
dinamarquesa, em agosto de 1864, seguiu-se para a elaboração de um tratado de paz
provisório assinado em Viena no dia 30 de outubro pelo qual a Dinamarca renunciava todos
os direitos sobre os ducados de Schleswig, Holstein e Lauenburg, em favor do imperador da
Áustria e do rei da Prússia. Os próprios termos desse acordo, entretanto, tornavam
inevitável o reinício da disputa austro-prussiana pela hegemonia na Confederação Alemã,
sobretudo quando ficou evidente que Bismarck queria chegar a uma solução inteiramente
prussiana, sem o império Austríaco para a solução dos problemas dos ducados
(PELLISTRANDI, 2000, p. 106-107).
Na guerra Austroprussiana, o fator decisivo para seu desfecho ocorreu em 16 de junho
de 1866, aonde o exército prussiano obteve sucessivas vitórias, então em 3 de julho do
mesmo ano, derrotou definitivamente as forças austríacas na batalha de Sadowa, e com
isso conseguindo o total controle sobre os ducados de Schleswig e Hostein durante o século
XIX.
Cabe a nós analisar e refletir sobre qual lado teria mais direito sobre os ducados,
como observamos em minha análise, a muitos fatores que envolvem a disputa desses
territórios e não podemos afirmar com isso, o pleno direito da Prússia ou da Dinamarca nos
ducados de Schleswig-Hostein.
Referências
BAYCROFT, Timothy ; HEWITSON, Mark. What is a Nation 1789-1914. New York: Oxford
University Press, 2006.
BRØNDSTED, Johannes. Os Vikings: História de uma fascinante civilização. São Paulo:
Editora Hemus, 2004.
BURKE, Edmund. The Annual register of world events a review of the year 1863. Volume
105, 1863.
15
Tradução: Constituição de Novembro.
Uma união pouco coesa de Estados alemães soberanos e cidades livres foi criada em 1815 no Congresso de Viena.
Inicialmente, a Liga contava com 41 e no final com 33 membros. O objetivo da confederação era preservar a segurança interna
e externa de todos os seus países membros. A Liga possuía um único órgão: a Dieta Federal, sediada em Frankfurt am Main.
As disputas entre a Áustria e a Prússia, que se acirraram a partir da metade do século XIX, levaram ao fim da Liga Alemã,
dissolvida em 1866.
17
Tradução: Segunda Guerra de Schleswig-Holstein.
16
40
Revista Historiador Número 07. Ano 07. Janeiro de 2015.
Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador
CARR, Willian. Schleswig-Holstein 1815 – 1848: A Study in National Conflict. England:
University of Manchester, 1963.
ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e
XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
FRADERA, Josep Maria ; MILLÁN, Jesús. Las burguesías europeas del siglo XIX: sociedad
civil, política y cultura. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000.
GREENFELD, Liah. Nacionalismo: Cinco Caminhos para a Modernidade. Martins:
Publicações Europa-América, 1998.
KITCHEN, Martin. A history of modern Germany, 1800-2000. Malden: Wiley-Blackwell, 2006.
KOLULLA, Michael. Deutsche Verfassungs geschichte: Vom Alten Reich bis Weimar (1495–
1934). Berlin: Springer, 2008.
LOPEZ, Roberto S. A Revolução comercial da Idade Média, 950-1350. Lisboa, Presença,
1976.
NIPPERDEY, Thomas. Deutsche Geschichte 1800-1866: Bürgerwelt und starker Staat.
München: Beck, 1994.
NÓBREGA, Vandick Londres da. Alemanha: esteio do mundo livre. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1961.
OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. “Língua padrão, língua culta, língua literária e contrato de
comunicação”. In: Cadernos do CNLF. 2004.
PELLISTRANDI, Benoît. As relações internacionais de 1800 a 1871. Edições 70, Lisboa:
2000.
TOUCHARD, Jean. História das Idéias Políticas: Da revolução Americana ao marxismo. Vol.
III. Martins: Europa-América, 1991.
WEHLER, Hans-Ulrich. Nationalismus. München: Beck, 2001.